Viviana de Oliveira
Entre especialistas, quando se fala de grandes vinhos do mundo é normal que haja um Madeira no lote. Infelizmente, esses continuam a ser desconhecidos por aqui, mesmo entre os enófilos. As razões para tal são várias. É um vinho menos imediato e popular do que um Porto, sua distribuição é mais reduzida (devido também à menor produção) e são, portanto, ainda menos acessíveis do que os seus primos.
Como diz o próprio nome, o vinho provém da ilha vulcânica da Madeira. Mais próxima da África que da Europa, é mundialmente reconhecida como destino turístico de excelência por sua beleza, clima, povo acolhedor e gastronomia. Os vinhedos, cultivados há centenas de anos, são o marco paisagístico do lugar. Atualmente, os turistas que lá vão a passeio enchem suas malas com o renomado vinho. Fazem exatamente o mesmo que os marinheiros da época das grandes navegações, que estocavam as caravelas com barris e saíam vendendo e bebendo durante a viagem. E foi assim que, acidentalmente, descobriu-se o verdadeiro estilo de Madeira, pois o vinho que voltava de viagem, exposto ao oxigênio e ao calor do clima oceânico, era curiosamente mais aromático, repleto de novos sabores exóticos.
Sucesso desde a descoberta do arquipélago, em 1418, esse novo gênero de vinho fortificado logo se espalhou mundo afora, tanto que o néctar português esteve presente em diversas ocasiões solenes ao longo da história. Foi um Madeira o escolhido para brindar a independência dos Estados Unidos, em 1776. Dizem que as mulheres aristocráticas na Inglaterra do século 18 o aproveitavam para perfumar seus lenços. E ninguém menos que Shakespeare usou-o como referência em diversas peças de teatro, sendo o episódio mais memorável a cena de Henrique IV na qual o cômico personagem Falstaff vende sua alma ao diabo em troca de uma coxa de frango, e, claro, uma taça de Madeira.
Portanto, beber vinho da Madeira é navegar por águas históricas. A bebida carrega uma rica carga simbólica, sua feitura e tradição poderiam ser consideradas patrimônio cultural intangível. Para começar a explorar essas águas, é bom lembrar que esses vinhos são classificados de acordo com os anos de envelhecimento: três, cinco, 10 e 15 anos. Os envelhecidos de 20 anos e feitos com apenas uma variedade de uva são chamados Vintage. Há ainda os Colheita, que, embora também produzidos com uma só uva, são mais jovens. Além disso, existem quatro níveis de doçura (doce, meio doce, meio seco e seco) e as principais uvas utilizadas são a sercial, a boal, a malvasia e a verdelho. Uma boa opção para quem quer experimentar são os Madeira Henriques & Henriques, que refletem a qualidade de suas uvas e o empenho em produzir exemplares típicos da ilha a preços atraentes.
Versátil, o Madeira se mantém muito bem em geladeira, depois de aberto, por semanas. A versão seca (Dry Madeira) é ótima como aperitivo e harmoniza com amêndoas tostadas, azeitonas, caldos, brodos, salada Caesar ou até mesmo com as notórias coxas de frango empanadas, as preferidas pelo personagem shakespeariano. Já as versões mais adocicadas (Rich, Full Rich) são sublimes quando acompanhadas de sobremesas como torta de chocolate com calda ou um pudim caramelizado, mas também fazem par perfeito com queijos pungentes, de veia azul.
De norma, quanto mais velho um Madeira mais caro será, mas há alguns exemplares de bom custo benefício disponíveis atualmente em Belo Horizonte. As dicas da semana são o Blandy's Madeira 5 years Sercial Dry (R$ 112,12 na Mistral, fone 31-3115-2100), ou, na versão doce, de sobremesa, o Henriques & Henriques Madeira 5 years Full Rich (R$ 81 na promoção da Zahil, fone 31-3227-3009).
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